sexta-feira, 16 de abril de 2010

Estantes (d)e vidas

Tenho uma estante cheia de livros. Começa a ficar instável; é de madeira antiga e carcomida pelos bichos e pelos tempos, pelas tempestades e pelo calor. Há um livro antigo na estante. Já tem as páginas amareladas, e gastas. Dobradas, até. Sei-o de cor. Também gosto dos outros livros que lá tenho, mas este é especial. E já me habituei a tê-lo na minha estante. Nem sempre ali esteve, mas quando ali o pus (porque fui eu que o pus) percebi que é essencial. E sabem que mais? Já não imagino a minha estante carcomida sem o livro amarelado que sei de cor. Mas sei que o livro não é meu, mas de si próprio. De vez quando, vem alguém, pega nele, e muda-o de estante. Para uma estante que não é a minha. E, quando volta, vem diferente. Gasto. Rasgado. Marcado. Escrito. Penso sempre que são estragos desnecessários. E que, se tivesse sempre ficado na minha estante, não teria sofrido danos. Eu; incapaz de perceber a necessidade de outras estantes. Espero o dia em que vá e já não volte. Em que tenha que ser eu a sair de mim para o procurar noutras estantes de outras vidas. E tenho medo do que lhe possam fazer. Dos rasgões e riscos, que magoam os livros. E, se pudesse, tinha-o sempre aqui, na minha estante instável. Onde já o sei de cor, e ele já se sabe no sítio certo. Se pudesse, não deixava que se estragasse. Agarrava-o com as duas mãos contra o peito, e deixava-o estar, protegido de outras mãos. Mas não posso, porque o livro é de si próprio, e não meu. Mas enquanto tiver mãos, e uma estante para onde o trazer, hei-de estar por perto, e hei-de dizer que o livro é um bocadinho meu.

2 comentários:

Ana disse...

Eu quero ser livro na tua estante.

Bagorrilha disse...

Às vezes esquecemo-nos que os livros da nossa vida também podem servir para outras pessoas e que as experiências e os ensinamentos que tiramos deles devem ser partilhados com o mundo...
Os livros também têm vida e não os podemos travar na sua luta de voar e se mostrar aos outros, se forem e não voltarem à mesma estante é porque assim não tem que ser.
Beijinho grande